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quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Alma Completa

Desde sempre dizia que morreria solitário, que seu corpo seria velado por desconhecidos, e o caixão pago antes mesmo da morte. Não que houvesse nele alguma anti-sociabilidade, mas tinha uma necessidade maior de relações sociais mais concretas, mais sinceras, e todas as suas, ao que parecia, tinham quase sempre uma tendência mórbida de enfraquecer.

Sabia que os amigos eram de hoje, que amanhã não os teria mais, iam embora, alguns por casar, outros apenas por ir. Os de trabalho sumiriam assim que ele fosse demitido, como sumiram os de escola e universidade quando se formou. Como sumiram os de ontem.

Tinha ainda os familiares, mas eram apenas familiares, e família é outorgada, não se escolhe. Não tinha laço qualquer de amizade com alguém de mesmo sangue ou quase.

Ora sentia-se culpado por tudo isso, pela solidão que lhe fitava como um encosto oriundo de macumba. Ora culpava essa necessidade inefável de coisas infalíveis. Aparentemente tinha amigos. Sim! Mas ainda assim sabia que caso parasse para analisar, veria que no fundo eram apenas amizades cotidianas, obrigadas pela convivência, veria que no fundo sequer eram amizades.

Por vezes imaginava se haviam níveis de amizade, não lhe agradava muito a idéia, mas e se houvessem? Se talvez ele buscasse o quase utópico nível-maior e não se contentasse com níveis amenos?

Era de sua natureza ser exigente, ter expectativas, fantasiar. Outros diriam que era culpa dos astros, que era por seu signo. Achava sempre muito cômodo culpar a astrologia ou mitologia. Era coisa sua, estava nele, podia sentir.

Certa vez disseram-lhe que nascemos com almas parciais, não pela metade que seriam completadas com amores, mas com pedaços pequeníssimos, necessitados de muitos outros pedaços, que cada pessoa que encontrássemos contribuiria para completar nossas almas.

Na melhor das hipóteses, pensava, teria nascido com a alma completa.


(Lalo Oliveira)


10 comentários:

Meiry disse...

'Certa vez disseram-lhe que nascemos com almas parciais, não pela metade que seriam completadas com amores, mas com pedaços pequeníssimos, necessitados de muitos outros pedaços, que cada pessoa que encontrássemos contribuiria para completar nossas almas.'


Que lindo, adorei isso.^^
Maravilhoso texto Lalo como na maioria das vezes.

Anônimo disse...

Olá, Lalo. Conheci e gostei muito do blog. Está na barra dos favoritos, verei sempre. (:

Unknown disse...

Sabe que as vezes eu penso desta forma ???

Beijos !

Danilo Cruz disse...

Achei muito interessante este lance de alma parcial e completa. Abs...

u n h a n u a disse...

O que acontece não é ''metade da alma'',mas sim que todas as almas necessitam de uma outra,não para completar-se mas sim complementar-se.

Como já diz um de seus astros da bossa...
''é impossível ser feliz sozinho'' ♪


Um afago na alma,querido Lalo.

Maria disse...

Vc descreveu uma pessoa que eu conheço e que gostaria de ajudar muito.
Passei para conhecer o blog e gostei muito.
Abraços

Anônimo disse...

Oi, Lalo... Passei aqui para dar uma olhada rápida no teu blogue. Em princípio, agradam-me as coisas que li. Mas preciso vir aqui mais vezes, sem pressa, com calma, para poder ler com atenção e avaliar melhor. Abraços.

Dôra Limeira

Anônimo disse...

Vc conseguiu transcrever com palavras aquilo que penso e sinto, sentí como se eu tivesse sido o autor.

Ana ® disse...

Nossa, sem palavras. Tudo já foi dito... Realmente, completo!

Parabéns!
=)

Anônimo disse...

"Alma Completa" no pulso. =]