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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Carta a João Polonini

Caro amigo João,

Devo-lhe dizer que ainda vivo. Sim. Embora não veja ainda uma razão exata para tal. Viver para manter-se vivo é a lei que eu, você sabe, nunca entendi e por muito inquietou-me, porém estou conformado agora. Talvez sabê-la, a razão, tiraria toda a graça desta eventualidade. Culpo um pouco minha sapiência. Ora, como não? Duvido que um animal qualquer questione sua existência.
Pois bem, eis a vida: Um fato.
Esta que carrego, devo dizer-lhe, vai como pode com todos os infortúnios e pesares da qual não pode ser isenta. Não tenho uma doença grave tampouco vivo em miséria, mas possuo minhas dores (contudo meu corpo está são).
Há coisas boas também, como sair caminhando vagarosamente pela rua, à sombra, e olhar as árvores – as pessoas não costumam olhar as árvores, não sabem elas o que perdem – e as folhas secas e mortas, mas tão belas, no chão. Tomar um bom café, fumar um bom cigarro, sentar num banco qualquer e ver o mundo, sem pressa. Gostaria que você estivesse comigo.
Mas se quer saber as coisas que me enfadam, como enfatizou que quereria, conto-lhe sem eufemismos: Entristeço-me sobre tudo com o quão as coisas são efêmeras; e quando me refiro às coisas não são apenas àquelas tocáveis – também elas passam – incluo as que não se pode ver e que são por vezes tão ou mais valiosas que matéria. Entristeço-me com o tempo, com a maneira que ele leva tudo embora. E de tudo o que ele costuma levar sinto muito mais pesar pelas pessoas. O tempo leva as pessoas, João. Muitas coisas pode-se fazer de alguma forma, porém me diga: como se faz uma pessoa?
Penso também que pode ser meramente comodismo culpar o tempo, este indefinível. Não teríamos alguma contribuição na efemeridade das coisas? Digo... não me lembro de ter me esforçado para que as pessoas ficassem. Não fiz nada para isso. Acho mesmo que elas precisam ir. Talvez voltem, talvez driblem o tempo, fujam-no, voltem. Talvez não, tudo indica que não... é tão mais provável. Sabe por quê? Porque vêm outras que preenchem a vaga de quem partiu. Não que seja a mesma coisa, compreende? Mas já não será o vazio. Pode ser agradável também.
Eu também parto, você sabe que sim. Parto muitas vezes de muitas pessoas e deixo minha vaga para que outras preencham. Desejo-lhes sorte.
Tenho também carregado as angústias do amor. Imagino às vezes que eu não seja mais capaz de amar, que eu não seja mais um ser capaz de amar. Pior que isso é que penso outras vezes que nunca amei de fato outra pessoa e isso me assusta, de modo que tomo conta de mudar o pensamento. Você sabe que nunca fui mesmo um bom pisciano.
Tenho algumas mulheres com as quais eu posso embeiçar-me ao bel-prazer, porém não tenho a intenção de amar qualquer uma delas, embora o amor nunca tenha vindo quando eu tive intenções, vindo sempre, este ingrato, quando indesejado.
Não me preocupo com questões sociais, políticas, religiosas, culturais... não me interesso por nada disso, sou uma criatura à parte que não faz questão de construir, mas que também não destrói, que vive para manter-se vivo.
Mas coisa boas, momentos bons e fugazes que por vezes sentado num banco qualquer e vendo o mundo eu penso sem piscar (confesso-lhe que certa vez deixei uma lágrima escapar), imóvel a ponto de pombos pousarem-se em mim... se aqui houvesse pombos.
Espero vê-lo em breve para que tomemos um bom porre e cantemos canções boas ou não tão boas, para que fumemos um cigarro, para que falemos de mulheres, para que sejamos juntos como fomos em outras ocasiões.
João, viver não é uma arte, é um dever.

Um abraço,

Seu sempre amigo.



(Lalo Oliveira)

5 comentários:

Only feelings disse...

Eu não me chamo João, mas tudo bem você pode me chamr do que quiser... desde que o faça com carinho.
Alguns traços bem característicos seus, nada como tomar um bom porre né?
:****

Thaysa Cordeiro disse...

Simplesmente GENIAL.

Suspeito que este texto tenha sido escrito após alguns dias de silêncio/solidão.

Lalo Oliveira disse...

Obs: Eu sou apenas o autor. Não confundir com o personagem, embora seja óbvio que haja traços pessoais.

Ana Karenina disse...

Literatura russa pura!
Anda lendo os Dostos da vida, Lalito.

Agora me responda, você não sabe mesmo como se faz uma pessoa (interrogação)

Beijos, meu mestre.

Anônimo disse...

Muito bom!