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sábado, 1 de agosto de 2009

Diane e o Excesso de Alegria

Era pequena e frágil como um esquilo desnutrido. Como se estivesse em Itu em qualquer cidadela que estivesse: todas as coisas eram-lhe grandes. Ou sendo mais fantasioso, como se estivesse no castelo de um gigante em cima das nuvens ao qual se tivesse acesso somente por meio de um feijoeiro colossal , escalando-o. Porém, não consigo imaginar como um feijoeiro possa alcançar tamanha dimensão, muito menos como as nuvens possam sustentar um castelo de concreto.
Lembrava-me ainda uma cigarra ou um grilo: Como diabos uma criatura tão pequena consegue ser ao mesmo tempo tão barulhenta? Nunca gostei de cigarras e grilos porque sempre me foram inconvenientes. Diane não era inconveniente na maioria das vezes, fazia seu barulho com um sorriso largo na face minúscula. Cigarras e grilos não sorriem, até onde eu sei.
Diane era mesmo uma tempestade, chegava forte e barulhenta molhando a todos, cativando-os. Não uma tempestade devastadora, mas uma tempestade muito benquista em um dia diabolicamente quente.
Sempre fui um sujeito introspectivo, calado e observador, mas isso nunca fez de mim uma pessoa triste. Minha alegria é intrínseca, egoísta, quero-a só para mim, guardo-a para comer quando estiver sozinho. Diane não, ela dava pedaços de alegria a qualquer alma, com quantas fosse possível e ainda assim não tinha fome, pois sempre lhe sobrava muita, ainda. E essa alegria de Diane gritava mais que ela, e era maior que ela, e chegava primeiro que ela a um destino.
Em olhos mais empíricos, ela era somente hiperativa, tinha muita energia concentrada, como era simples observar em seus olhos maníacos arregalados. Por conta disso era várias vezes e muito comumente repreendida, coitada. ‘Aquiete-se, Diane’, dizia sua mãe. ‘Aquiete-se, Diane’, dizia seu pai. ‘Aquiete-se, Diane’, diziam seus professores e seu irmão importunado. Eram todos bestas por fazer tal pedido àquela criatura. Diane jamais se aquietaria.
Movia-se muito rapidamente, em movimentos nada contínuos ou coerentes e ao mesmo tempo em que se movia falava ainda mais rapidamente e não se concentrava em um só ponto. Queria colocar todos em seu ritmo, cutucando-lhes, fazendo-lhes cócegas, puxando-lhes... Não era hiperatividade ou dissimulação, era um puro excesso de alegria tão invejável.


Um câncer comera-lhe as pernas e lhe comprometera a vida. Estava agora quieta, enfim, numa cama desconfortável de hospital público, calada, quase morta em meio à agonia dos familiares e dos muitos amigos que cativara. Chorando, meu deus, chorando! Jamais imaginei que Diane fosse capaz de chorar, de entristecer-se. Qualquer um, mas não ela.
E agora seus antigos ambientes seriam mórbidos. Não haveria mais aquela tagarelice, aquela inquietação. Quem cutucaria seus amigos? Levou consigo toda a energia em seus olhos que embora agora estivessem definitivamente cerrados, estariam sempre arregalados e famintos nas mentes alheias, alegríssimos.


Diane acordou imersa em uma sopa insossa de suor, pulou da cama e correu para aprontar-se, tomou seu banho em cânticos e pulos na cerâmica molhada, em tempo de cair, saiu escovando os dentes perambulando pelos cômodos da casa e falando com a boca cheia de espuma verde, vestiu-se, tomou o café falando milhões de coisas enquanto seus familiares ainda acordavam na mesa. Correu para o seu cotidiano e fez tudo o que deveria fazer: falou, pulou, correu, importunou os demais, foi alegre.
Foi alegre, que ser alegre sempre fora o seu dom maior e seu excesso não era senão uma acentuação de sua alegria, jamais um defeito.

4 comentários:

Ana Karenina disse...

Que bom que foi só um sonho.

Lalo Oliveira disse...

A máquina da morte deve ser aleatória, não escolhe. Ou então Deus tem mesmo seus momentos ruins, Marcos.

Thaysa Cordeiro disse...

Não gosto de gente assim. :(

Only feelings disse...

Eu queria ser assim as vezes, realmente gente assim pertuba demais...
Não é inveja, não é ciúme é apenas um incômodo.